A opinião depende de quem sente

Eu sempre protagonizo com meu pai algumas discussões ideológicas: sobre religião, sobre política, sobre pena de morte e outros assuntos. Um dos mais corriqueros, entretanto, é a ditadura militar no Brasil e seus efeitos.

O "bate-boca" geralmente começa com uma frase do meu pai, mais ou menos no seguinte sentido: "Naquela época não tinha isso ou aquilo", invariavelmente proferida com um sorriso de canto de boca - ele já sabe o que vem pela frente. Aí começo meu discurso sobre todos os conhecidos males da ditadura, da quantidade de filhos que saíram de casa para faculdade, para o trabalho e nunca mais voltaram pros braços de suas mães, da arbitrariedade, da censura... Ele me rebate me falando do milagre ecônomico, do respeito às "autoridades" e de todo o pão e circo proposto, com o único objetivo de desviar a atenção dos que restavam alienados.

Nesses momentos eu fico indignada com tamanha cegueira. Fico pensando em como alguém pode dar valor a um período tão repugnante. Mas dia desses, depois de mais um desses embates, analisei e entendi: de meados da década de 60 ao início da década de 70 meu pai era uma criança e os olhos de uma criança só enxergam o que há de bom e bonito. Essa foi uma época em que ele viu chegar à cidade a TV que mostrava os jogos de futebol que ele até então só imaginava ouvindo pelo rádio e toda aquela coisa nova que era a programação televisiva. Painho - como eu o chamo - viu chegarem os telefones, que nunca tinha visto de perto. Na nossa cidade, foi construído um estádio de futebol, que junto com seu campo e suas arquibancadas, trouxe dias festivos à cidadezinha do interior de Sergipe (vale informar que o estádio foi batizado de Presidente Médici, como não poderia deixar de ser naqueles tempos nada fáceis). Naquela época, como se recorda, as músicas tinham boas letras, que diziam algo e ninguém ia a um programa de humor imitar o presidente, por vezes de modo desrespeitoso como acontece hoje.

Era isso que meu pai via: eletrodomésticos, respeito e prosperidade. Como criança, ele não via o lado ruim da coisa. Seus olhos não visualizavam a atrocidade. Aliás, a atrocidade lhe era alheia, já que os meios de comunicação - habilmente conduzidos pelos generais - não conseguiam cumprir fielmente a sua finalidade e não produzia nos jovens nenhuma atração. Desse modo, como criticá-lo, já que suas únicas lembranças foram boas?

Eu nasci sob a égide de uma ditadura já enfraquecida. Poucos anos após meu nascimento, ocorreram as "Diretas". Sendo assim, minhas mais longínquas lembranças são democráticas. Eu tive garantido o direito de saber o que foi a ditadura, de entender seus péssimos reflexos - inclusive os causados pela falsa"prosperidade" daqueles tempos.

Como tudo isso, eu tenho condições de saber que não quero viver tudo aquilo, mesmo que seja sob pena de escutar música de baixa qualidade, ver piadas sobre o presidente e parcelar eletrodomésticos e eletroeletronicos para 10 x - rsss. Mas ele, tadinho, tem saudade... fazer o que né?

Criticar é tão fácil….

Acho que a coisa mais fácil que o ser humano tem pra fazer é criticar, apontar o dedo e dizer o que está errado em alguém. Isso vale pra mim e pra todo mundo. E o interessante é que, quase invariavelmente, a crítica tem um prólogo “Quem está de fora vê melhor”… depois disso, lá vem bomba – rsss.

Quando percebemos um erro, um equívoco em alguém, as palavras saem como bolhas de sabão, fáceis e sem nenhum controle. Nossa palmatória está ali, ligada em 220 v, pronta para desferir ao ser errante à nossa frente tudo o que ele não deveria fazer e está fazendo e/ou tudo o que ele deveria fazer e não faz. Nos sentimos triunfantes, e nos invade a sensação de que estamos alguns patamares acima. Ledo engano, ai ai.

Vi dizer um dia desses uma observação importante, que eu acho até que já virou ditado: quando apontamos o dedo pra alguém, existem três apontados em nossa direção. Isso é verdade, e não só no sentido físico – os dedos da nossa mão. Na maioria das vezes, quando nos empenhamos em criticar outra(s) pessoa(s) é justamente pelo fato de querermos mascarar os nossos próprios erros. É como se, apontando pra outras pessoas, surgisse um manto que oculta nossos próprios escorregões.

Tarefa difícil é identificar nossas próprias falhas, tentar curar feridas que causamos e, a partir daí, modificar atitudes e pensamentos. Isso sim é árduo, mas é o que tem valor! Um dia Gandhi disse que se queremos mudar tudo ao nosso redor, temos que começar por nós mesmos. Mas é justamente isso que ninguém faz. Como seria mais fácil…

Além disso, muitos sabem perfeitamente como indetificar erros alheios, com desenvoltura quase técnica. Mas, quando se fala em ajudar a corrigir erros, todo mundo se faz de desententido e se retira à francesa.

Mudar não é fácil, ajudar os outros a mudar também não é. A maioria prefere pegar o caminho mais curto e paliativo, que encarar a estrada mais longa e definitiva. Criticar é tão fácil…